O povoado dos moinhos,

Posted by Annick Melo (: On 14:14 No comments


Viajante: Qual o nome deste povoado?
Ancião: Não tem. Só chamamos de “O Povoado”. Alguns chamam de Povoado do Moinho.
Viajante: Todos os habitantes moram aqui?
Ancião: Não. Moram em outros lugares.
Viajante: Não há eletricidade aqui?
Ancião: Não precisamos. As pessoas acostumam-se ao conforto. Acham que o conforto é melhor. Rejeitam o que é realmente bom.
Viajante: Mas, e as luzes?
Ancião: Temos velas e óleo de linhaça.
Viajante: Mas a noite é tão escura.
Ancião: É. Assim é a noite. Por que a noite deveria ser clara como o dia? Eu não ia querer noites claras, que não deixassem ver estrelas.
Viajante: O senhor tem arrozais. Mas não tem tratores para cultivá-los?
Ancião: Não precisamos. Temos vacas, temos cavalos.
Viajante: O que usa como combustível?
Ancião: Lenha, na maioria das vezes. Não achamos direito cortar árvores, e muitos galhos caem sozinhos. Cortamos e usamos como lenha. E para carvão de madeira, poucas árvores aquecem tanto quanto uma floresta. Também estrume de vaca dá bom combustível. Gostamos de viver respeitando a natureza. As pessoas, hoje, esqueceram que são apenas parte da natureza. Mas destroem a natureza da qual dependem nossas vidas. Elas sempre acham que podem fazer melhor. Especialmente os cientistas. Podem ser inteligentes, mas não compreendem o verdadeiro significado da natureza. Só inventam coisas que tornam as pessoas infelizes. Mas têm tanto orgulho das invenções deles. Pior é que muita gente também se orgulha. Encaram-nas como milagres. Idolatram-nas. Não percebem, mas estão perdendo a natureza. E, como conseqüência, vão morrer. As coisas mais importantes para o ser humano são ar puro e água limpa, as árvores e grama que os produzem. Tudo está sendo poluído, e perdido para sempre. Ar sujo, água suja, sujando os corações dos homens.
Viajante: Vindo para cá, vi algumas crianças colocando flores em uma pedra ao lado da ponte. Por quê?
Ancião: Ah, isso. Meu pai me contou uma vez. Há muito tempo, acharam um viajante morto, perto da ponte. Os aldeões ficaram com pena e o enterraram lá. Colocaram uma pedra na tumba dele e puseram flores. Tornou-se um costume colocar flores lá. Não só as crianças. Todos os aldeões colocam flores quando passam, embora a maioria não saiba por quê.
Viajante: Há um festival hoje? (ouvindo uma festividade aproximando-se).
Ancião: Não, é um funeral. Acha estranho? Um funeral é sempre agradável. Viver bem, trabalhar bem e morrer com agradecimentos é louvável. Não temos templos nem sacerdotes aqui. Assim, os próprios aldeões levam os mortos até o cemitério da colina. Mas não gostamos quando jovens e crianças morrem. É difícil comemorar tal perda. Mas, felizmente, as pessoas deste povoado levam uma vida natural. Então, morrem de acordo com a idade. A anciã que vai ser enterrada viveu gloriosamente os 99 anos. Agora, vou unir-me ao cortejo. Com licença. Na verdade, ela foi o meu primeiro amor. Mas ela partiu meu coração e me trocou por outro.
- Ha! 
Ha! Ha! Ha! Ha!
Viajante: A propósito, quantos anos tem?
Ancião: Eu? Cem... mais três. Boa idade para parar de viver. Uns dizem que a vida é sofrimento. Isso é bobagem. Sinceramente, é bom estar vivo. É emocionante.
  
(O ancião dirige-se à estrada, seguido pelo viajante, para juntar-se ao cortejo festivo. Cumprimenta cordialmente o viajante e une-se aos outros aldeões em festa. O viajante assiste admirado o cortejo passar e, antes de retirar-se da aldeia, deposita flores na pedra do túmulo do viajante morto. A paisagem é indescritivelmente bela... E os moinhos, girando no ritmo da correnteza do rio, expressam o ritmo da vida).

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